Administração Econômica - A Crise do Subprime




Versão Final

Problemas econômicos são aqueles que ocorrem da empresa para fora, tipo inflação, dívida interna, impostos, etc. Problemas administrativos são aqueles que ocorrem da empresa para dentro.

O problema do subprime está sendo tratado como sendo um problema econômico, quando na realidade é um problema administrativo, problema da empresa para dentro. Neste caso, problemas administrativos dos bancos, de estratégia, organização, foco, controle e governança.  

Tanto isto é verdade que as soluções econômicas do FED, foram:
1. Banho de liquidez de 160 bilhões.
2. Pacote de incentivos do Bush.
3. Corte de 43% na taxa de juros americana de uma tacada só.
4. Um segundo corte na taxa de juros, e todas não surtiram efeito.

O problema é mais sério do que isto. Limitarei este artigo a um dos problemas administrativos que precisaremos enfrentar se quisermos sair desta crise e as que virão pela frente. A perda da capacidade de analisar crédito.

Basicamente, os bancos estão perdendo, há anos, a sua inteligência creditícia. Quanto emprestar, a quem emprestar, por quanto tempo emprestar, deixou de ser uma competência onde bancos investem e valorizam.

O maior exemplo disto é a Serasa, criada por um pool de bancos brasileiros, para fazer estas análises de crédito de forma conjunta. Parece sensato como medida de redução de custo, mas quando um banco está disposto a dividir as mesmas informações com seu maior concorrente, é porque estas informações não são consideradas estratégicas para os bancos. E, quando Inteligência creditícia não é mais considerado estratégico, temos um grave problema financeiro pela frente. Quando análise de crédito não é estratégica a um banco, o departamento de crédito também não o será.

Tanto é que recentemente os bancos brasileiros decidiram vender a Serasa a uma multinacional, e nenhum economista da velha esquerda brasileira reclamou. Continuam achando que a Petrobras é estratégica, mas entregar todo o banco de dados das empresas e dos consumidores brasileiros a uma empresa estrangeira não é.  

Onde estão os nossos economistas nacionalistas nesta hora que o Brasil vende o sistema de informações cadastrais do país para uma multinacional? Quietos, porque para o economista o que ocorre da empresa para dentro não é considerado importante para o futuro de um país.

O desinteresse pela análise de crédito

Os bancos começam a perder interesse em inteligência creditícia a partir de 1935, depois de uma legislação bancária que os proíbe de investir nesta área.

Na realidade, esta crise do subprime tem origem em 1929, o que mostra como problemas mal resolvidos do passado podem ter conseqüências nefastas setenta anos depois.

A crise de 1929 começou com uma pequena recessão, um soluço na Bolsa de Valores Americana que poderia ter sido de curta duração. Só que as autoridades monetárias na época em vez de diminuírem a taxa de juros, aumentaram-na em 1000%!!!

No início de uma recessão, aumentar os juros em 1000% é um erro econômico monumental e deu no que deu. Quebra em cascata de mais de 10.000 bancos.

Acontece que em 1930 houve uma deflação de 10%, por isto o juro REAL, subiu de 1% para 11%, um aumento de 1000%. A culpa da recessão de 1929 foi atribuída por Milton Friedman, John Maynard Keynes, John Galbraith a uma dezena de razões, mas nunca àqueles que aumentaram os juros, como sempre. Um dos culpados foram os bancos "que emprestaram demais".

Em conseqüência desta quebradeira em 1935 devido ao espetacular aumento dos juros, criou-se uma forte regulamentação bancária para dar maior sustentabilidade ao "frágil" setor bancário.

Várias regulamentações e regras foram criadas para restringir empréstimos "excessivos" a níveis mais "adequados" e estabeleceram-se limites mínimos de reservas bancárias, os "capital adequacy rules". Os Acordos da Basiléia I e II, são as versões "modernas" de hoje.

Em linhas gerais, rezam que "Bancos comerciais poderão emprestar somente até X vezes o seu patrimônio bancário, definido como o capital inicial mais lucros reinvestidos do banco". O X variando de 5 até 12 vezes, dependendo do país e do seu Banco Central.

Há um erro monumental nesta regra, perpetuado até hoje, e que você, leigo no assunto, seria capaz de perceber, por isto peço um pouco de esforço da parte do leitor. Não é todo dia que alguém tem a possibilidade de descobrir um erro cometido pelos melhores prêmios Nobel do mundo, e que perdura por quase 70 anos.

Não pensaram que a inflação, pequena na época, repetida anualmente por dez ou vinte anos, distorceria os valores NOMINAIS do capital inicial dos bancos e seus lucros reinvestidos. O leitor tem agora duas dicas, suficientes para descobrir o erro monumental.

O regulamento deveria ter tido a seguinte redação: "Bancos Comercias somente poderão emprestar recursos até o limite de 10 vezes o seu patrimônio liquido, corrigido pela inflação do período."

Como esqueceram deste "detalhe" ficaram com a seguinte regra absurda:

"Bancos Comercias somente poderão emprestar recursos até o limite de 10 vezes o seu patrimônio liquido, corroído pela inflação do período, ano após ano".

Ou seja, fizeram uma lei que garante a erosão lenta e gradual do seu sistema bancário, com graves conseqüências no mundo de hoje. Países que lentamente destroem o seu sistema bancário, terão problemas futuros a serem resolvidos.

Como todo brasileiro aprendeu na pele, qualquer contrato sem correção de seus valores terá seu valor corroído.

A partir de 1935, o legislador deliberadamente corroeu, destruiu, eliminou, liquidou 4% ao ano da capacidade dos bancos americanos de emprestar. Ou seja, -4% por ano, multiplicado por 10, significa -40% num único ano. Em dois anos, é quase todo o capital dos bancos americanos.

Mais preocupante, é que nenhum dos grandes economistas da época, John Maynard Keynes, James Tobin e Milton Friedman, percebeu o erro cometido. Talvez, porque no início a inflação era baixa e os lucros reinvestidos dos bancos eram elevados, o que mascarou em parte o problema. Mas, este erro se torna colossal e iria nos afetar dramaticamente em 1982 quando a inflação americana em dois anos bate 20% ou -20% em termos de erosão.

Multiplique 20% por 10, e você terá 200% a menos de capital bancário internacional, e somente agora você descobrirá porque os bancos americanos em 1982 pararam subitamente de nos emprestar. E, pior, tiveram de pedir de volta 200% do que haviam emprestado do capital próprio somente para cumprir uma regulamentação bancária mal concebida. Foi o que fizeram, começando com os clientes periféricos, neste caso o Brasil.

Se em 1982 tivéssemos exigido do governo americano corrigir em 20% o capital dos seus bancos, estes teriam 200% de recursos adicionais para nos emprestar, sem que nossa dívida aumentasse em TERMOS REAIS. Ou seja, sem risco adicional de crédito, sem moratória, sem negociações bilaterais, etc.

Os economistas brasileiros da época, em vez de pleitearem a correção monetária dos limites bancários pediram perdões de dívida, mais prazo para pagar os juros e mais prazo para pagar a dívida. Pediram até reduções de juros, sem perceber que o juro na época era negativo, justamente devido à aceleração da inflação americana.

a. Celso Furtado pede uma moratória de três anos dos juros e mais prazo para pagar a dívida.
b. Bresser Pereira pede redução de 30% da dívida.
c. Mario Henrique Simonsen propõe restringir o pagamento dos juros a um limite máximo de 30% das nossas exportações.
d. Paulo Nogueira Batista Jr. propõe restringir o fluxo de pagamento a somente 2,5% do PIB.
e. Pedro Malan negocia prazo de 20 anos para pagar a dívida, sem perceber que em 20 anos a dívida seria corroída pela mesma inflação.

O problema como vimos era outro, os bancos foram obrigados a se enquadrar no regulamento bancário, de emprestar somente até 12 vezes o capital corroído pela inflação. Nem emprestaram demais, nem nós estávamos super endividados, dois diagnósticos da época.

O que mais deixa algumas pessoas perplexas é que na época nosso Banco Central tinha a regra correta: "Bancos brasileiros poderão emprestar até 10 vezes o seu patrimônio corrigido pela inflação do período.", nossa famosa cláusula de correção monetária.

Como é possível que os economistas brasileiros, os acadêmicos e os que estavam no comando da economia na época, nunca tenham percebido este erro de regulamentação bancária internacional?

Para piorar a situação, a moratória da dívida externa brasileira obrigou os bancos americanos a fazerem "write offs" deprimindo ainda mais o patrimônio dos bancos internacionais, e reduzindo ainda mais a capacidade de emprestar.

Algo que se repetirá agora com os prejuízos de 200 bilhões dos bancos com a crise do subprime, e que reduzirá a liquidez internacional em 2,4 trilhões de dólares.

Por sua vez, os economistas acadêmicos americanos novamente culparam a ganância dos bancos, acusando-os de terem emprestado demais. Desta análise equivocada é que surgiu o movimento para regulamentos bancários ainda mais restritivos, os Acordos da Basiléia I e II. 

Agora, os limites de empréstimos teriam de ser "ponderados pelo seu fator de risco". Empréstimos ao Brasil custariam 120% do capital do Banco, e não mais 100% como antigamente. Só que os acordos da Basiléia perpetuaram o mesmo erro original, e mantiveram a cláusula implícita, o capital será corroído anualmente pela inflação.

Em 1995, o governo FHC comete mais um de seus erros colossais e estabelece que os bancos comerciais somente poderão emprestar dez vezes o patrimônio "corroído pela inflação brasileira". Era o fim da correção monetária dos valores contábeis de todos os sistemas de informação de empresas e bancos comerciais deste país.

Impossibilitados de emprestar e fazer empréstimos adicionais, os bancos brasileiros mudaram de ramo, em vez de ganhar dinheiro emprestando, passaram a sobreviver de suas taxas de serviços.

Antes, estes serviços eram fornecidos gratuitamente como forma de atrair emprestadores e tomadores de empréstimos, onde estava o "core business" de um banco. Venderam a Serasa.  Não é mais possível emprestar neste país a longo prazo, corroído que será pela inflação futura. Por isto, este país não cresce.

O fim do sistema bancário internacional

Esta lenta erosão da capacidade de emprestar do sistema bancário brasileiro e internacional trouxe outras sérias conseqüências de 1935 para cá.

1. Transformou uma sociedade e economia lastreada em empréstimos bancários, em uma sociedade lastreada em lançamento de ações e IPOs, de custo financeiro bem mais caro.

2. Como ações são bem mais voláteis do que empréstimos iniciou-se uma era de alta volatilidade que causou dezenas de crises financeiras de 1982 para cá.

3. Criou a lenta destruição da capacidade do sistema bancário em analisar riscos de créditos. Perdemos boa parte da nossa "inteligência creditícia", hoje provavelmente restrita a duas empresas, a Moody’s e S&P.

4. Este erro fez com que grandes empresas com acesso à Bolsa de New York tivessem mais crescimento em detrimento da pequena e média empresa.

5. O que desemboca indiretamente na globalização e num provável futuro onde somente 3.000 empresas controlarão todos os 300 setores da economia.

6. Desintermediação financeira de bancos para hedge funds, private equity e fundos de pensão, sem as qualificações adequadas.

7. Crescente participação de fundos de pensão e companhias de seguro como distribuidoras de crédito, áreas para as quais não foram preparadas, nem estruturadas.

Ao longo do processo, os bancos americanos despediram lentamente 40.000 analistas de crédito, substituídos por 3.000 analistas da Moody’s e S&P, destruindo toda uma inteligência financeira do país construída ao longo de 100 anos.

O que mais assusta é nenhuma analise como esta chegar a ser discutida pelos jornais. Todos achando que temos mais um problema econômico, quando na realidade é um problema que os economistas comprovadamente não entendem, e nunca entenderam.

O que mais assusta é que análises como esta nunca serão noticiadas, nem este artigo publicado, e vamos depender de blogs e emails enviados pela internet.
Entrevista de Stephen Kanitz na Globo News  (Programa exibido em 26/01/08)

Stephen Kanitz
stephen@kanitz.com.br

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